Por que os Alimentos In Natura Têm Maior Variação na Inflação?

Apesar da recente Reforma Tributária prever diversos benefícios para alimentos compostos pela cesta básica, numa análise geral de mercado, quando se observam os índices de inflação no país, a grande parte dos alimentos que sofrem maior variação são alimentos in natura. Portanto, questiona-se, qual o motivo?
Políticas de Exportação e Demanda Interna
O Brasil possui grandes incentivos para a exportação de produtos, especialmente com isenções de impostos. Mas como fica a crescente demanda do mercado interno?
Há anos, uma política de conscientização da população sobre os benefícios e malefícios dos alimentos tem sido fortalecida por influenciadores e pelo próprio governo. Vídeos, postagens e guias alimentares têm enfatizado a importância de consumir alimentos in natura ou minimamente processados, recomendando a redução de alimentos industrializados.
Quando se observam as políticas de incentivo do país de forma ampla, nota-se que temos um grande incentivo para exportação de produtos, sobretudo com isenção de impostos para tal fim; mas, e como fica a crescente demanda do mercado interno?
Veja, a anos uma política de conscientização da população sobre os benefícios e malefícios do que se consome tem sido fortalecida pela sociedade, principais influentes, e governo. Dentre vídeos, postagens sobre como certos alimentos possam impactar na nossa saúde, até guia alimentar produzido pelo governo para conscientização da população.
Em geral preveem que, alimentos in natura são beneficiais e devem ser priorizados, e alimentos industrializados devem ser ao máximo ou em maior parte evitados.
Conforme mencionado acima, muito da nossa produção interna tem sido direcionada à exportação, o que demonstra um país forte na agricultura, que pode prover e suprir as necessidades do restante do mundo. No entanto, as necessidades não são apenas externas. Será que temos o suficiente para suprir as necessidades internas também? Os números demonstram que não está havendo um equilíbrio de suprimento dessas necessidades.
Produção Direcionada à Exportação
Grande parte da produção interna é direcionada à exportação, demonstrando a força da agricultura brasileira em suprir as necessidades globais. No entanto, as necessidades internas são igualmente importantes. Os números indicam um desequilíbrio na oferta.
A crescente conscientização e demanda por alimentos in natura no mercado interno, somadas à exportação significativa desses produtos, têm causado inflação. Isso se deve ao fato de que esses produtos, promovidos como benéficos à saúde, se tornam mais caros.
A crescente conscientização e demanda por tais produtos no mercado interno, e a grande parte de exportação destes produtos tem causado grande inflação, que recai especialmente nestes produtos que tem sido mais promovidos como beneficiais à saúde, portanto, in natura.
Assim, de um lado se tem as isenções previstas para esses alimentos, e de outro, as isenções para exportação desses produtos.
Estrutura Tributária e Benefícios Fiscais
No consumo, os alimentos frescos ou minimamente processados foram responsáveis por cerca de 70% da inflação total da alimentação em casa, entre janeiro de 2021 e junho de 2022. Esse grupo se refere a uma centena de alimentos diferentes e essenciais na dieta da população, como cenoura, tomate, batata, café, cebola, feijão e frutas.
Quando olhamos o ‘Índice de preços ao consumidor’ (IPCA), que é o principal índice de inflação do país, tem mais de cem itens de alimentos, a grande maioria in natura e minimamente processados, que lideram a inflação. Estes alimentos sobem quatro, cinco vezes acima da média da inflação dos demais produtos, tornando o alimento saudável mais caro até do que os ultraprocessados, que acabam ficando mais em conta e viram uma opção de alimentação.
dos 100 alimentos que mais subiram ao longo de 12 meses, 76 são in natura ou minimamente processados
Distorções tornam a comida saudável mais cara
A desoneração de impostos federais (PIS/Pasep e Cofins) sobre itens da cesta básica hoje inclui produtos como achocolatados, bebidas lácteas e macarrão instantâneo, refletindo uma lógica de nutrição ultrapassada. A Receita Federal estima que essa desoneração custa cerca de R$ 30 bilhões ao ano; imagine o que este dinheiro não faria se estivesse sendo direcionado à políticas que vão de acordo com a ciência nutricional.
Deve-se considerar ainda que fabricantes de ultraprocessados se beneficiam de créditos presumidos durante a produção, o que barateia a produção e portanto, comercialização desses produtos (custo final). Ou seja, os alimentos mais processados acabam tendo um valor menor do que os alimentos menos processados ou in natura.
Exemplos de Distorções no Sistema Tributário
Um entre vários exemplos dessas distorções é o feijão. Por compor a cesta básica, não é tributado. Mas também não se beneficia de crédito presumido. Por outro lado, alimentos como salsichas, hambúrguer, nuggets, dentro outros, contam com o crédito presumido. Isso ocorre porque tributos federais, como PIS/Pasep e Cofins, não consideram o nível de processamento na concessão desse crédito. Também não consideram as características de produção de um alimento in natura em relação a um produto ultraprocessado.
Um exemplo dessas distorções é o feijão. Por compor a cesta básica, ele não é tributado, mas também não se beneficia de crédito presumido. Por outro lado, alimentos ultraprocessados como salsichas, hambúrgueres e nuggets contam com o crédito presumido. Isso ocorre porque tributos federais, como PIS/Pasep e Cofins, não consideram o nível de processamento na concessão desses créditos. Também não consideram as características de produção de um alimento in natura em relação a um produto ultraprocessado.
Comparação entre Ingredientes de Ultraprocessados e Saudáveis – Cumulatividade de Impostos e Impacto nos Custos
Os ingredientes de ultraprocessados possuem alíquota padrão para PIS/Pasep e Cofins. Ingredientes como gordura hidrogenada e alguns açúcares invertidos têm crédito presumido. Esses ingredientes, embora com alíquota padrão, geram créditos tributários para os compradores, reduzindo o custo final. Esta situação é diferente para ingredientes saudáveis. Por terem alíquotas zeradas na saída, não geram crédito para os compradores, que não têm como se beneficiar tributariamente. Além disso, o crédito presumido para ingredientes saudáveis que não contam com isenção na origem, é geralmente menor. Por exemplo, a gordura hidrogenada tem um crédito presumido de 5,55%, enquanto castanhas, farinhas e açúcares têm apenas 3,24%.
Quando a indústria compra de outra indústria glutamato monossódico, gordura hidrogenada e açúcar, os impostos pagos na produção desses insumos são descontados depois. Tanto quem fabrica como quem compra produtos com estes ingredientes acabam tendo um incentivo pelo menor custo do produto final.
A situação é bem diferente para ingredientes saudáveis como farinhas de arroz e linhaça, fubá, castanhas e alguns tipos de açúcares (como demerara ou cristal). Por terem alíquota zerada na saída, não geram crédito para os seus compradores. Quando minimamente processados por uma pessoa jurídica para composição de um produto final, esses ingredientes sofrem com a cumulatividade de todos os impostos embutidos nas matérias-primas – encarecendo o produto final, muito mais do que os ultraprocessados que tem dedução do crédito, e por isso, barateamento quando comercializado ao consumidor).
A indústria de ultraprocessados paga só a diferença e acaba pagando uma diferença muito pequena. Porque ela consegue descontar tudo que foi pago lá atrás pelo produtor do ingrediente (que não tem o benefício do crédito presumido). Agora, se você é dono de uma quitanda que vende alimentos saudáveis e compra do produtor um produto que já vem com uma carga tributária, já vem com impostos pagos, ele não consegue descontar – sobrando para o produtor rural a maior carga tributária. Assim, os insumos sobre os quais incidem PIS/Pasep, Cofins, IPI e ICMS compõem o preço de venda e não geram créditos para os compradores, aumentando o valor final, evidenciando uma falha no princípio da não cumulatividade dos impostos. Além disso, quando prevista alíquota zero na saída, esses produtores não conseguem repassar nem seus próprios custos.
Ou seja, a tributação federal não favorece os ingredientes para alimentos mais saudáveis. Pelo contrário, o sistema tributário federal é mais benéfico para as cadeias de produtos ultraprocessados, onde a proteção contra a cumulatividade permite que as indústrias paguem muito menos impostos líquidos.
No modelo atual, a cesta básica não tem cobrança de impostos federais e cada estado tem cesta própria, na qual pode oferecer descontos em tributos estaduais, como o ICMS.
Alguns itens são comuns a todos os estados, como arroz e feijão. No entanto, há produtos diversos e regionais, como pão de queijo e provolone em Minas Gerais; erva-mate nos estados da região Sul; vassoura em Goiás; capacete e tijolos no Ceará; repelente no Rio de Janeiro; e anticoncepcionais em São Paulo. A lista de itens “exóticos” é extensa e variada.
As isenções atuais resultam em perda de receita para o Estado, enquanto o benefício para o consumidor é duvidoso. Estudos indicam que cada ponto percentual de redução no ICMS gera uma variação mínima nos preços.
Dois pontos importantes a considerar são:
- Repasse da Isenção ao Consumidor: Não há garantia de que a isenção será repassada ao consumidor final.
- Benefício Generalizado: A política acaba beneficiando não apenas os mais pobres, mas todos os consumidores, inclusive os mais ricos, resultando em uma grande perda de receita para o Estado.
Na confusão de produtos que compõem as cestas estaduais, uma crítica significativa é a desconexão com as políticas de alimentação e saúde. Técnicos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) analisaram as cestas de seis estados e constataram que muitos itens beneficiados não estão alinhados com as diretrizes alimentares brasileiras. Muitos produtos ultraprocessados, por exemplo, têm seu consumo incentivado via tributação.
Necessidade de Foco em Alimentos Básicos
Precisamos que a cesta básica contenha de fato os alimentos essenciais: arroz, feijão, carnes tradicionais, frutas e hortaliças. Não deveríamos conceder benefícios tributários para produtos como salsicha, miojo e refrigerante, ainda que sejam itens amplamente consumidos.
Proposta Alternativa para Beneficiar os Mais Pobres
A ideia inicial do benefício da cesta básica era aplicar a mesma alíquota dos demais produtos e, paralelamente, oferecer cashback (dinheiro de volta) aos trabalhadores mais pobres na compra de certos itens. Dessa forma, seria possível garantir que o benefício chegasse de fato aos mais necessitados, em vez de uma isenção generalizada que beneficia todos os consumidores.
Com a Reforma Tributária, serão unificados os itens da cesta básica para todas as 27 unidades da federação, conforme visto em um post anterior.
A reforma tributária unificará os itens da cesta básica para todas as 27 unidades da federação, com a composição da cesta sendo definida por uma lei complementar futura. Empresas já disputam a inclusão de seus produtos na nova cesta básica para obter benefícios fiscais.
Conclusão
A variação acentuada nos preços dos alimentos in natura é resultado de políticas de exportação, incentivos fiscais desiguais e uma estrutura tributária que favorece alimentos ultraprocessados. Para resolver essa questão, é necessário revisar as políticas de incentivo, garantindo que os benefícios fiscais promovam uma alimentação saudável. A reforma tributária proposta pode ser um passo importante nessa direção, mas sua implementação e eficácia dependerão da definição cuidadosa dos itens que comporão a nova cesta básica.
Destaco a importância de políticas públicas alinhadas com as necessidades de saúde e nutrição da população, visando equilibrar a oferta para exportação e a demanda interna por alimentos saudáveis.
Fontes de Referência:
O Joio e o Trigo – Política de impostos favorece ultraprocessados que o Ministério da Saúde manda evitar
O Joio e o Trigo – Pobre come qualquer coisa?
Bocado – Juliana Afonso e Nina Rocha – A cesta básica já não dá conta do básico
Metrópolis – Itens exóticos na cesta básica soam alerta na reforma tributária
Arnoldo Anacleto de Campos e Édnea de Cássia Carmelio – Porque a comida Comida Saudável está longe da mesa dos Brasileiros? / O papel da tributação como propulsora da desnutrição, obesidade e mudanças climáticas no Brasil
CNN – Reforma tributária discute preços e itens que compõem cesta básica
INPC – Tabela IPCA de variação mensal e acumulada do ano de produtos a partir de janeiro de 2020
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